“Buenas e me espalho”, com essa marra entrou Capitão Rodrigo em Santa Fé, sem ser chamado, sem pedir licença, como quem toma o espaço pelo gesto e não pelo direito. Não se sabia de onde vinha, nem por quê vinha. Mas vinha armado, sedutor, eloquente, dono de um carisma rude que mais parecia vocação ao espetáculo.
Quase do mesmo jeito, por um erro de navegação, em 22 de abril de 1500, desembarcaram os portugueses, de fato, eles apareceram um dia antes, num certo 21 de abril. Chegaram como Rodrigo: sem pedir licença. com cruz, canhão e como quem toma o espaço pelo gesto e não pelo direito. Espalharam-se. Declararam posse. Batizaram terra que já tinha nome. Fizeram do encontro uma ocupação, e da “bravura” uma desculpa.
Entre o Capitão e Cabral e sua trupe, há mais que coincidência. Há um triste padrão de origem. É possível que Veríssimo tenha construído propositadamente seu personagem assim, numa alegoria ao Brasil. Um país se acostumou a admirar quem chega com estardalhaço, quem fala alto, quem se impõe. Nossa história tem mais reverência ao ato impulsivo do que ao gesto calculado.
Mas, há exceções.
Em outro 21 de abril, quase 500 anos depois, morria Tancredo Neves. E morria sem governar. Era o presidente da esperança, o símbolo de uma transição possível, o ponto final da ditadura.
Tancredo não chegava a cavalo. Chegava com silêncio e estratégia. Não se impunha, articulava. Seu poder estava menos na presença e mais na costura. Sabia que, no Brasil, a coragem às vezes mora na paciência. Homem de finíssima inteligência política. Soltava frases que pareciam ditas para durar, e não para ferir.
É curioso pensar que Tancredo tenha morrido na mesma data que Cabral já estava por essas bandas e que, anos mais tarde, morreria também Tiradentes, o mártir da Inconfidência, tão exaltado num país que prefere heróis mortos a líderes vivos.
A ideia e mito fundador de um Brasil “descoberto” começou com um desembarque impensado, Cabral chegou como Rodrigo. Tancredo, assim como Tiradentes morreu como mito, um foi o mártir que não liderou, o outro, o presidente que não governou.
Comecei a refletir sobre o dia 21 de abril ao ser lembrado, nos últimos dias por um podcast, sobre o contexto da morte de Tancredo Neves. Confesso que pensei no título deste texto antes de escrevê-lo, geralmente é o contrário. Isso trouxe a dificuldade da comparação com o memorável capítulo da genial obra de Érico Veríssimo.
Mas ao fim, trazer a comparação sobre estilos de “brasis” faz sentido e fica claro: o Brasil precisa menos de armas ou bravatas, e mais de projeto. Menos espetacularização em busca de cliques, mais compromisso. Nem o grito vazio, nem o silêncio covarde, mas a coragem tranquila de quem sabe onde pisa, como fazia Tancredo.
É uma pena, por mais bizarro que isso seja, entre o Brasil de Rodrigo e o Brasil de Tancredo, parece ainda estamos decidindo qual queremos ser.
Tem uma denúncia, flagrou uma situação inusitada ou quer mostrar algo incrível da sua região?
Fale com a redação do XV Curitiba pelo WhatsApp (41) 98764-2955 📲
👉 Clique aqui e fale direto conosco