Se antigamente as pessoas diziam que, para àqueles que não gostam de Carnaval, o destino é Curitiba, a 23ª edição do PsychoCarnival mostrou que nosso “carnis levale” é uma das maiores manifestações dessa festa popular na cidade e que sim, traz gente dos mais variados cantos do planeta para celebrar e confraternizar no mais puro sincretismo entre carnaval e rock and roll.
Tradicionalmente, o Carnaval tem como mote a ideia de subversão da ordem, na qual as coisas deixam de ser como são, para, temporariamente, assumirem seu inverso. E foi exatamente o que aconteceu nestes cinco dias de PsychoCarnival. Não necessariamente no sentido de subverter uma ordem estabelecida, mas com o forte propósito de questionar, refletir, desenvolver estratégias, resistências e promover transformações na sociedade, mas principalmente nos corações e mentes de cada um que participou em algum momento do Festival.
Foram 42 bandas de cinco países diferentes (Brasil, Argentina, Chile, Dinamarca e Portugal), que apresentaram uma diversidade de estilos musicais oferecendo um panorama bem amplo da atual cena underground em todo o mundo. Além do Jokers, com o intuito de democratizar o acesso, foram realizados shows gratuitos no Teatro Universitário de Curitiba (TUC), no Lado B Pub e no Cão Véio Gastropub fazendo com que toda população pudesse assistir a shows.
Também foram realizadas rodas de conversa com debates sobre temas importantes para toda sociedade. Uma miríade de opiniões das mais diversas que demonstrou o espírito democrático e a responsabilidade social da organização do Psycho em trazer a reflexão e promover uma maior compreensão sobre questões que afetam a todos. Com o objetivo de adotar uma postura mais empática e solidária, buscando formas de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável, toda programação do PsychoCarnival, além da interação entre público e artistas colaborou para que individualmente pudéssemos reconhecer e enfrentar nossos próprios preconceitos e privilégios que sempre promovem mudanças positivas na construção de um mundo melhor.
Nas rodas de conversa, temas como políticas públicas para cultura, afro-diásporas e o racismo institucional e feminismo e a violência contra mulher foram objeto das tertúlias realizadas no Café Manifesto e no TUC. Além disso, o Instituto Todas Marias esteve presente durante todo o Festival na área do Bazar, conversando com o público, esclarecendo dúvidas e divulgando o trabalho de apoio a mulheres que buscam sua independência.
O Instituto, que já marca presença em 11 países e atua em 579 cidades no Brasil, sendo 109 no Paraná, atua no acolhimento e encaminhamento de vítimas de violência doméstica, principalmente de mulheres, crianças e pessoas LGBTQIA+. O XV Curitiba conversou com Goretti e Juliana que atenderam a todos nesse trabalho de formação cidadã.
“Nós trabalhamos a independência da mulher e das pessoas em situação de vulnerabilidade. Focamos na mudança de uma realidade abusiva existente. Trabalhamos a autoestima, a saúde mental, capacitação no retorno aos estudos para melhorar suas qualificações e assim possa voltar ao mercado de trabalho com dignidade e independência. Ajudamos também no direcionamento para denúncias de agressão, seja física, psicológica ou patrimonial. Nós aproveitamos este ambiente festivo, de balada para trabalhar a conscientização e mais do que cobrar é exigir respeito. Nosso trabalho é pedagógico e continuado, porque quando ocorre a denúncia, aí é que começam os problemas, então é necessário um acompanhamento, as vezes até um ano ou mais juntos, para que esses problemas realmente cheguem a solução, completou Goretti.
“Na maioria das vezes a mulher está coagida, sente-se humilhada e sem forças para reagir. Tem uma dependência financeira e ainda, antes de ser mulher apenas, é mãe, e isso faz com que ela aguente as agressões em benefício dos filhos. Tem a dependência emocional também, porque o afeto que levou a formação de um casal não vai embora com a agressão verbal ou violência física, então compreender qual é o momento daquela pessoa sair deste círculo vicioso, ela precisa ser encorajada, ser fortalecida e é por isso que trabalhar a autoestima e a inserção no mercado de trabalho é fundamental”, concluíram Juliana e Goretti no nosso encontro.
Os shows do último dia foram a coroação de um line up montado com muito esmero e dedicação. Já as 15h a banda Patada tocou no TUC enquanto o Lado B Pub recebia as bandas Luz Vermelha HC e Vurtu. No palco principal do Jokers, a noite teve início com as Capetassauras de Curitiba, seguidas por Diabillys de Sorocaba, Jubarte Ataca de Natal, Tampa do Caixão de Joinville, Jinetes Fantasmas da Argentina, Krappulas de Curitiba e os dinamarqueses do Nekromantix. De brinde, o Lado B Pub realizou a terça da ressaca com os shows das bandas Rabo de Galo e She Is Dead. Depois de toda essa maratona musical, os inconformados com seu final, ainda puderam esticar até o Armazém Garagem para um último show do dia dos imparáveis Hillbilly Rawhide.
No PsychoCarnival o som ecoa e vibra com energia, as gargalhadas se misturam à melodia em pura euforia em um Carnaval que se perpetua, sem nunca se abalar. As ideias se cruzam e as mentes se conectam na alquimia de estilos que celebram a vida, o amor e a diversidade neste cenário pulsante de liberdade.
Vida longa ao Festival, que venham mais 23 anos de boas músicas, boas conversas, confraternização, respeito, e principalmente atitude, diante de um mundo que precisa aprender a ouvir mais e reclamar menos.