Em 1936, às vésperas da ditadura do Estado Novo, o historiador Sérgio Buarque de Holanda lançou Raízes do Brasil, um ensaio até hoje fundamental para compreender a formação histórica e social do país.
Como observam Schwarcz e Starling, em seu imprescindível Brasil: uma Biografia, Holanda escreveu em um período de “encantamento” com a modernidade dos anos 20 e, ao mesmo tempo, no anseio construir uma “brasilidade”, revendo o passado do país e projetando o futuro, influenciado também por Max Weber e Friedrich Meinecke, o historiador rejeitou determinismos climáticos e raciais, modismo da época, e propõe que a cultura e as instituições eram as verdadeiras moldadoras da sociedade brasileira.
O livro reflete o paradoxo de um Brasil que almejava modernidade, mas carregava o peso de uma herança colonial marcada pelo patriarcalismo, pelo personalismo e pelo patrimonialismo. Para Holanda, a colonização portuguesa, sem um projeto estruturado de desenvolvimento, teria resultado em uma sociedade dependente, hierarquizada e avessa à impessoalidade das instituições modernas.
O conceito do homem cordial talvez seja a contribuição mais conhecida de Holanda. Longe de significar mera gentileza, descreve um comportamento regido por laços pessoais e afetivos, em detrimento das regras impessoais necessárias ao funcionamento de um Estado moderno. Tal característica, para Schwarcz e Starling reforçaria o descompromisso com o bem público e a aversão às instituições formais de poder.
Em Raízes do Brasil, Holanda também discute a tensão entre ruralidade e urbanização e a permanência das elites agrárias. Ao final, sua análise aprofunda o debate político e converge para um dilema: o Brasil precisa superar o personalismo oligárquico e adotar a racionalidade na vida pública para consolidar a democracia.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, analisou obra de Holanda em Os pensadores que inventaram o Brasil, e sintetiza bem a questão central do livro: “As oposições e contradições na criação de uma sociedade moderna são armadilhas nos caminhos do futuro.” E esse desafio, quase um século depois, continua assombrando nossa história.
No Brasil de hoje, onde o patrimonialismo segue travestido de novas roupagens. Curiosamente, muitos dos elementos que Holanda identifica como característicos do Brasil na década de 30, serviriam para justificar uma guinada autoritária. Hoje, em tempos de liquidez e hiperconectividade, a ânsia por respostas rápidas para problemas complexos reforça uma lógica, que transforma lideranças carismáticas e midiáticas em atalhos sedutores para crises que exigiriam soluções estruturais.
O personalismo, tão bem diagnosticado por Holanda, não desapareceu – apenas se atualizou. A fragilidade das instituições e a dificuldade de consolidar uma “alma democrática” abrem espaço para improvisos autoritários, onde o voluntarismo e a retórica ocupam o lugar do planejamento e da responsabilidade.




