Futebol é muito mais do que jogo. Na infância então, era território da imaginação. Eu tinha com meus amigos uma liga de futebol de botão, com campeonatos: Paulista, Libertadores e, o último estágio: o Mundial. Era um sistema que, em um caderno, atribuíamos valores aos jogadores, prêmios para os títulos e uma Copa do Mundo de Clubes só nossa, onde o meu Corinthians escalado com Marcelinho Carioca e Maldini enfrentava o Palmeiras de Marcos e Vieri do meu amigo Renan.
A simulação ganhou outra dimensão com Elifoot e Championship Manager, jogos ainda que solitários, porque a internet era carroça e luxo. Mas que poderiam colocar, na mesma disputa, Bragantino e Bayern de Munique. E tudo fazia sentido.
Depois, com a evolução dos videogames, para quem cresceu nos anos 90 e início dos 2000, era mais que passatempo, era ponto de encontro entre amigos. Era também onde os sonhos eram possíveis antes mesmo de o mundo real permitir. A abertura mágica do Winning Eleven ao som de “We Will Rock You” foi, para muitos de nós, um baita exercício de criatividade aplicada ao impossível.
Aos que não tinham o jogo ou o console mais atualizado, locadoras espalhadas pela cidade nos davam a chance de sonhar jogando. Sempre tentando narrar o próprio gol com um grito abafado para não atrapalhar a tv ao lado.
O anúncio de um “Super Mundial” organizado pela FIFA, com 32 times do mundo inteiro parece ter tirado dos consoles ou da mesa de futebol de botão os sonhos de gerações. O campeonato não é perfeito. Tem excessos, interesses e vícios, por exemplo, podemos questionar critérios sobre a presença de alguns clubes. Mas ele abre uma porta que muitos preferiam manter fechada: a chance real de clubes de todo o mundo medirem forças. Não só dentro de campo, mas também naquilo que define o futebol como paixão: camisa, torcida, identidade, história.
O velho continente, com seus superclubes inflados por petrodólares e contratos bilionários, finge que a Copa do Mundo de Clubes da FIFA é um torneio menor. Um incômodo no calendário. Uma viagem longa, um clima ruim, um risco desnecessário. Mas a verdade é que, a despeito do desdém, a mística do futebol não obedece a lógica e que o “improvável” ainda é possível.
Porque, sim, há uma diferença brutal de investimento entre Europa e o resto do mundo. Mas o abismo nem sempre aparece no placar. Até agora os times sul-americanos perderam apenas um jogo, brasileiros venceram europeus, além de darem sufoco em times teoricamente favoritos.
Para Sul-americanos, africanos, asiáticos, e todos os que amamos o jogo longe dos grandes centros financeiros, o Mundial é mais que um título: é uma vitrine. É a chance de mostrar que o futebol ainda pulsa fora dos escritórios da UEFA. Que a mística da camisa ainda existe. Que existe vida fora da bolha.
E não adianta achar que é pouco. Quem cresceu fazendo Copas imaginárias na locadora e nas casas dos amigos, sabe: o futebol vive da possibilidade do improvável. Foi ali, antes da FIFA organizar qualquer coisa, que a gente aprendeu que sonho vale mais que orçamento.
O novo Mundial pode até ser um incômodo aos que se acham donos do jogo. Mas para milhões de torcedores espalhados pelo mundo, ele é uma janela escancarada, por onde entram sonho, orgulho e esperança.
É a chance de do Urawa Red Diamonds fazer a Inter de Milão correr até o último segundo para garantir uma vitória. De o Boca Juniors deslumbrar o mundo com sua torcida e lembrar ao Bayern de Munique que ainda tem camisa pesada.
O nariz torto da Europa pode até tentar diminuir. Mas quem entende de futebol de verdade sabe: quando a bola rola, o mundo é redondo. Provavelmente a taça ficará com algum gigante bilionário da Europa, mas até agora, o desempenho dos brasileiros é digno de nota, e olha que eu torci (e sigo torcendo) por algum vexame do Palmeiras ou do Flamengo, afinal o clubismo é maior.
Mas a verdade é que isso só escancara o quanto o nosso futebol é maltratado. Mesmo com treinadores ultrapassados, calendário desumano e uma elite cartola tacanha, o Brasil ainda entrega talento, garra e paixão.
A distância entre nós e eles não está no campo, está na gestão. Apesar dos dirigentes. Apesar do sistema. E justamente por causa da camisa, da arquibancada, e do sonho que começou, para muitos de nós, no controle de um videogame ou em uma mesa de futebol de botão.




