As famílias dos meninos Evandro Ramos Caetano e Leandro Bossi desaparecidos nos anos 90 na cidade de Guaratuba, no litoral do Paraná, irão receber um pedido formal de perdão pelos erros cometidos pelo Estado no passado. Pois os crimes cometidos contra as duas crianças nunca foram desvendados de forma cabal, irrefutável e definitiva.
Ocorre que na época dos fatos, um grupo de legalidade questionável foi enviado a cidade pelo Estado e cometeu uma série de erros que geraram uma imensa sucessão de equívocos, contaminando toda a investigação.
Mas, ainda pior: Recentemente uma série documental exibida pela Globo Play, apresentou provas de que este grupo liderado por um oficial já falecido, torturou, dentro da mansão do ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, os acusados para que confessassem o crime e ainda, em outro local, cometeu sevícias indescritíveis contra as mulheres que na época estavam sendo investigadas, forçando-as a assumir que teriam mandado matar o menino Evandro para praticar um ritual de magia negra.
Diante das novas revelações, a secretaria de Justiça do Paraná constituiu o Grupo de Trabalho “Caso Evandro – Apontamentos para o Futuro” que propõe uma série de medidas práticas para prevenir tortura estatal, combater violência contra crianças e agir em casos de desaparecimento de pessoas.
Após assistir a série, ler o relatório, tomar conhecimento dos depoimentos espontâneos e ouvir os áudios da tortura, o secretário de Justiça, Família e Trabalho do Paraná, Ney Leprevost, formou convicção de que os acusados foram vítimas de gravíssimas violências físicas e resolveu pedir perdão também a eles pelos crimes de tortura cometidos no passado pelo Estado.
“Utilizar a máquina estatal para cometer tortura é crime. Neste caso vemos muitas vítimas: as crianças, seus pais, os acusados que foram torturados, pessoas que tiveram a vida profissional destruída, as instituições públicas que foram induzidas a erro, o município de Guaratuba que ficou anos e anos sendo discriminado e até o contribuinte paranaense que pagou por tudo isto. É a teoria de São Tomás de Aquino, tão ensinada nas faculdades de Direito, aplicada na prática: uma maçã podre fez toda investigação apodrecer”, afirma Ney.
Nos próximos dias, as famílias das crianças desaparecidas e os torturados do “Caso Evandro” irão receber cópias do relatório e cartas formais com pedido de perdão pelos erros cometidos no passado pelo Estado. O que, na prática, poderá servir para os advogados dos torturados nos pedidos de anulação do julgamento e para os pais das crianças acionarem o Estado na esfera cível pedindo indenizações pela sequência de danos sofridos.
Abaixo, segue o texto da carta que será enviado para senhora Celina Abagge que tem 82 anos de idade e foi vítima de tortura e sevícias em seus órgãos íntimos.
A senhora Celina Abagge
Venho por meio deste informá-la que o relatório coordenado pelo Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho do Paraná e elaborado pelo Grupo de Trabalho “Caso Evandro – Apontametos para o Futuro” está concluído e será de grande utilidade para a proteção dos direitos humanos e a prevenção de crimes contra as crianças.
Tal documento será disponibilizado para a senhora e para os demais condenados pelo crime para que, se for de interesse de seus advogados, possa ser anexado ao pedido de anulação do julgamento.
Ressalto que o Grupo de Trabalho funcionou de forma independente e multidisciplinar com objetivo claro de aprender com os graves erros do passado para iluminar os caminhos que serão percorridos no futuro.
Faço questão de publicizar que após assistir a série Caso Evandro, ouvir os áudios, tomar conhecimento dos relatos espontâneos e ler o relatório elaborado pelo Grupo, do qual não fui parte integrante, formei convicção de que a senhora e os outros condenados pelo crime foram vítimas de torturas gravíssimas. Tal prática configura- se crime e é totalmente inaceitável.
Cabe salientar que não tenho prerrogativa legal para declará-la inocente e nem mesmo para anular seu julgamento. Sendo que tal medida só poderá ser adotada, na forma da Lei, pelo próprio poder Judiciário, ao qual encaminharei cópia desta carta e do relatório.
No entanto, na condição de secretário de Justiça, Família e Trabalho, expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de violência contra seres humanos para obtenção de confissões e “peço, em nome do Estado, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora”.
Pedido de perdão este também, simbolicamente, extensivo a toda e qualquer outra pessoa que por ventura tenha um dia sofrido tortura estatal em território paranaense.
Também informo que será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos.
Na firme esperança de que “mesmo escapando da justiça dos homens, os maus jamais conseguirão fugir da justiça de Deus”, assino desejando-lhe um Ano Novo com saúde, justiça e paz!
Ney Leprevost
Secretário de Justiça, Família e Trabalho do Paraná