O corredor se encheu de pessoas e sorrisos. Era dia de ir para outra casa. Na sexta-feira (24), o Hospital Universitário Materno-Infantil da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Humai-UEPG) deu alta para sua mais antiga moradora. Kherollyn de Campos Souza, de um ano, três meses e 24 dias, nunca havia conhecido outra casa, a não ser o quarto do Hospital. Aos 489 dias de vida, ela partiu para viver plenamente com a família, depois de ser internada logo ao nascer. Nascida em Telêmaco Borba, em 31 de janeiro do ano passado, ela chegou ao Humai cinco dias depois, com diagnóstico de intestino curto. Os passos para fora vieram depois da despedida de toda sua “família do coração”.
Vencedora desde 31 de janeiro de 2023
O nome Kherollyn surgiu da inspiração de uma atleta da Seleção Brasileira de Futebol. E como a colega homônima, a menina entrou em campo para vencer, desde que nasceu. O resultado feliz veio depois de um longo tempo de luta. A primeira batalha aconteceu logo numa quinta-feira, um dia depois que ela nasceu, em um hospital da Ortigueira, quando precisou de antibióticos, como conta a mãe Lúcia de Campos Oliveira. “No outro dia, vieram vômitos e eu logo questionei o médico o que estava acontecendo, porque aquilo não era normal”. Era o começo da jornada da mãe e seu bebê no Hospital.
Após os exames detectarem alterações, as duas vieram para o Humai, em 04 de fevereiro. “Era um sábado, 01h15 da manhã, fizemos exames e vimos que o intestino estava retorcido. Daquele dia em diante, ela ficou na UTI”. Em duas semanas e quatro cirurgias, a pequena recebeu o diagnóstico da síndrome do intestino curto. “Ficamos aqui na UTI pediátrica até 03 de maio do ano passado, quando fomos fazer reabilitação lá no Hospital Pequeno Príncipe”, recorda a mãe. Com o fim do tratamento por lá, elas voltaram para o Humai em 12 de setembro, na Clínica Cirúrgica, local em que aguardaram até a alta. O retorno de que poderiam ir para casa em Ortigueira, com home care fornecido pelo município, foi recebido com ansiedade. “Agora, ela vai receber auxílio para troca da nutrição parenteral total (NTP), que auxilia na nutrição dela, com as enfermeiras indo na nossa casa todos os dias para fazer os curativos”, comemora a mãe.
Dias e dias de internamento
A internação de um bebê é também a internação de uma mãe. “Eu ficava aqui de 30 até 60 dias junto com ela, não ia pra casa. Ia apenas num fim de semana para ver minhas duas outras meninas mais velhas”, explica. Em um hospital que preza pelo contato da criança com a família, como o Humai, até quando Kherollyn estava na UTI, Lúcia ficava ali. A prioridade era a filha. “Mesmo me recuperando da cesárea, eu não saía de perto dela. Era difícil, ainda mais pra quem fica, mas a gente se adapta”.
A equipe multiprofissional do Hospital Universitário não largou a mão da família, dando o suporte para o desenvolvimento da pequena, mas também com olhos para Lúcia. Como explica a psicóloga Karen Martins, todos os profissionais envolvidos aprenderam algo novo com este caso. “Temos um carinho muito grande por eles. E na psicologia, nosso foco era a família. A Lúcia precisava estar aqui o tempo todo, foi poucas vezes para casa, então tivemos que desenvolver estratégias para atender o caso”.
No Humai, Kherollyn completou seu primeiro ano de vida, com direito a festa de aniversário temática produzida pelas equipes. No Dia das Crianças, houve ações com profissionais fantasiadas da mesma personagem que a pequena. No Natal, não poderiam faltar o presente e os sorrisos para ela. Era impossível não se apegar. “Nós nunca tivemos um paciente internado por tanto tempo com a gente”, conta Ticiane Vilela, coordenadora das Clínicas Pediátricas do Humai. O olhar de ternura para a bebê era nítido em cada pessoa que passava. “A gente falava que ela era uma moradora do Hospital, pois ao mesmo tempo que ela tinha todos os cuidados hospitalares, nós também precisávamos focar no desenvolvimento dela”, explica. A adaptação foi tanta, que Kherollyn aprendeu os cuidados com higiene hospitalar. Basta chegar alguém com álcool 70% por perto, para ela pedir para passar na mão, ciente de que aquilo é bom para a saúde.
Um bebê em fase de crescimento pleno precisou aprender a sentar, engatinhar, caminhar e comer num quarto de clínica cirúrgica, em isolamento de contato. Já que o espaço era a sua casa, foi adaptado com brinquedos, e toda a equipe precisou revisar protocolos, para proporcionar conforto à criança e sua mãe. “Tivemos bastante sucesso, e ver que ela realmente evoluiu, que está indo pra casa, é muito gratificante pra equipe toda”, conta Ticiane, emocionada. E o sentimento de dar tchau? “Alegria e melancolia ao mesmo tempo. Todo mundo se despedindo, chateado porque ela vai embora, mas muito feliz, porque finalmente ela vai conviver com as irmãzinhas, com o pai, com a família dela”. Para que Lúcia pudesse também ver as duas meninas em casa, profissionais da equipe se voluntariaram para ir ao Hospital, fora do horário de trabalho, fazer o papel de acompanhante da pequena. “Cada um ajudava com o que podia, além das atividades inerentes à profissão. Muita gratidão, por termos conseguido encaminhá-la para alta com segurança, porém fica um vazio, com certeza iremos sentir muita falta delas”, complementa Ticiane.
Eram 7 horas de sexta-feira e todos já estavam em pé. Hora de ir para a outra casa, a definitiva, depois de quase um ano e quatro meses num hospital. Malas prontas, brinquedos guardados e bebê com laço no cabelo. Foi difícil segurar a emoção em cada abraço apertado de despedida. “O Humai foi um apoio muito, muito, muito importante, porque tudo o que eu precisei, sempre estenderam a mão. Aqui ela conseguiu se desenvolver, ter rotina… era uma casa, só que cheia de gente”, disse a mãe, em lágrimas.
Para que a ida para casa fosse bem-sucedida, o Humai trouxe a equipe de Ortigueira, que ficará responsável pelos cuidados em casa, numa capacitação com enfermeiros, nutricionistas e médicos. “A direção dos Hospitais Universitários acompanhou com alegria a alta da pequena Kherollyn, uma união de esforços assistenciais e administrativos para que ela tivesse o melhor atendimento possível”, ressalta a diretora geral, Fabiana Postiglione Mansani. Ela parabenizou as equipes envolvidas no tratamento. “Com competência, responsabilidade e muito carinho, eles acompanharam a pacientinha por todo esse período. Eficiência e humanização permearam esse processo. É o SUS sendo cumprido com qualidade pelos HUs da UEPG”, destaca. Mesmo se alimentando normalmente agora, a expectativa é que futuramente o intestino dela possa crescer e absorver as calorias necessárias, sem necessidade do auxílio da nutrição intravenosa – o tempo irá responder ao que a equipe prevê.
Para quem começou a luta no segundo dia de vida, o dia de abrir a porta de entrada do Humai significa uma nova vida. Chegou o momento de ter contato com outras crianças, para além da família constituída no internamento. Antes de pegar a filha no colo e partir em viagem, a última frase de uma mãe que não desistiu e ganhou alta junto com a filha: “A gente que é mãe às vezes precisa tirar força de onde não tem, mas eu consegui. Muito obrigada”, disse Lúcia ao ir embora. Não foi um até logo, mas uma despedida definitiva, com gratidão.