A acachapante vitória do republicano Donald Trump sobre a candidata democrata Kamala Harris tem muitas interpretações e recados, com diferenças e similaridades em comparação com outros processos eleitorais nos Estados Unidos e no Brasil.
Quando tomar posse, Trump será o primeiro presidente condenado criminalmente da história dos Estados Unidos e que, além disso, enfrenta outros três processos. Tudo isso poderia naufragar uma candidatura, entretanto se tornou combustível à narrativa anti-sistema que o republicano empreendeu.
Uma vitória que supera embaraços judiciais não é inédita no mundo e, podemos citar, menos ainda no Brasil. Bolsonaro se elegeu em 2018 rodeado de suspeitas (e algumas confirmações) sobre mau uso de recursos financeiros e humanos disponibilizados pela Câmara Federal. Lula, em 2022, basicamente saiu da prisão e dos escândalos de corrupção para o Palácio do Planalto, sem escalas.
Trump, Lula e Bolsonaro, compartilham entre si a habilidade de construir narrativas que transformam seus problemas jurídicos em combustível para seus discursos políticos, atraindo simpatizantes que enxergam nessas figuras a resistência contra interesses supostamente opostos à “vontade do povo”, discurso poderoso e que ecoa entre os eleitores desiludidos.
Entretanto, é incoerente dizer que tais vitórias não tenham sido a real vontade do povo. Aí entram algumas das necessárias reflexões sobre a forma como a política foi feita por anos e como, após o advento e o uso em massa de novas plataformas de comunicação pós-internet, tem influenciado a política e desembocado em resultados que, outrora seriam impensáveis.
Problemas da vida real entraram na lista de prioridades do eleitor norte-americano: os Estados Unidos sofrem com insegurança, perda do poder aquisitivo e alta da inflação. Trump, ao seu modo, dialogou com alguns dos públicos que mais sofrem com estes problemas e que o governo Biden não conseguiu resolver. Assim, garantiu votos nas urnas e maioria no Colégio Eleitoral.
Há quem diga que a vitória de Trump seja um desastre para o mundo e para as democracias, por conta de sua postura belicosa e extremista, talvez seja mesmo. Entretanto, sua vitória é uma tentativa resposta, ainda que truculenta e desmedida, de uma sociedade angustiada que não encontra na política soluções práticas.
Ao trazermos o debate para o Brasil, lembramos que o país também sofre com a violência nos centros urbanos, perda do poder aquisitivo e um sentimento de alta da inflação no consumo. Surge então a dúvida, quem apresentará uma resposta?
Os setores majoritários da esquerda pararam no tempo. Parte acredita ainda em respostas getulistas, alguns estão em 1968 pensando na revolução (sim, aquela!) e outros, muitos alojados no Governo Federal, pensam que estão em 2002. Já os mais “modernos”, e barulhentos nas redes sociais, perdem tempo em disputas e debates inócuos, longe de problemas da vida real. Para completar, o campo é duplamente refém: eleitoralmente Lula e estruturalmente do PT.
A direita é também refém, mas de Jair Bolsonaro, que busca de todas as formas algum tipo de saída jurídica para ser candidato em 2024. O Plano B, caso a ideia inicial não dê certo (o que é provável), será emplacar algum dos seus atabalhoados filhos. Enquanto isso, outras lideranças, de âmbito regional, tentam cavar espaço e apoios na tentativa de viabilizar seus nomes neste campo, sem a tutela do “mito”.
Moderados e liberais, estão espalhados e tentam buscar ar para sobreviver, enquanto são pisoteados pela direita e enxotados pela esquerda. Inviabilizando assim quaisquer alternativas viáveis, ante ao extremismo.
Há pouco debate sobre o país de queremos e podemos construir, a disputa polarizante favorece aos radicais. A democracia e a política precisam encontrar respostas práticas e é necessário que os verdadeiros democratas tenham espírito público, desprendimento e leitura aguçada, a fim de captar as angústias da população e propor soluções de verdade. Caso contrário os populismos, de direita e de esquerda, que sabem melhor do que ninguém usar os algoritmos das plataformas ao seu favor, continuarão a avançar.