O Paraná tem cerca de 50 pessoas diagnosticadas com Atrofia Muscular Espinhal (AME), uma doença genética, degenerativa e sem cura que interfere na capacidade do corpo em produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores. Sem a proteína, os neurônios morrem e os pacientes perdem progressivamente o controle e a força muscular, não podendo falar, andar, engolir ou respirar. Já a capacidade cognitiva é preservada. Durante uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (18) de modo remoto pela Assembleia Legislativa do Paraná, a psicóloga Aline Juliana Loper observou que, mesmo que pareçam poucos casos, uma pessoa com AME impacta a vida de dezenas de pessoas ao redor. O diagnóstico da doença é difícil, os medicamentos e os tratamentos são caros, envolvendo profissionais de diferentes áreas médicas. Os participantes do debate reforçaram a necessidade de ampliação das políticas públicas voltadas para diminuir os impactos da doença nas famílias.
O deputado Michele Caputo (PSDB), proponente da audiência pública, reafirmou a necessidade do poder público em absorver os gastos com a medicação para o tratamento da atrofia muscular espinhal. Apenas um medicamento pode chegar a custar R$ 12 milhões. “Os custos dos medicamentos devem ser absorvidos pelo gestor público, pois são de alto custo. Que os elementos debatidos hoje possam virar políticas públicas para o tratamento da doença. Vamos discutir para construção de uma rede de cuidados. Precocidade no diagnóstico é importante. Além disso, é preciso estabelecer toda uma linha de cuidado para o tratamento. O impacto da doença é muito grande. Como toda doença desse tipo, quanto mais cedo identificada, mais cedo é o tratamento, trazendo muito menos dor no processo todo”, afirmou o parlamentar.
Aline Jarschel de Oliveira, fisioterapeuta e chefe da Divisão de Saúde da Pessoa com Deficiência da Secretaria Estadual de Saúde (SESA), informou que a pasta segue a Política Nacional de Atenção Integrada às Pessoas com Doenças Raras no que diz respeito à AME. “O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza atendimentos para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de pessoas com doenças raras. O cuidado é compartilhado em três esferas de gestão. Cabe ao Estado a organização da rede dos pontos de atenção a pessoas com doença raras”, explicou. Segundo ela, as doenças raras são atendidas nos seguintes pontos de atenção: primária, especializado, serviços de referência em doenças raras, centros especializados em reabilitação, atenção domiciliar e hospitalar. A coordenadora de Assistência Farmacêutica da SESA, Deise Pontarolli, complementou reforçando que, no caso do tratamento das doenças raras, há uma política nacional instituída. “Em relação a AME, o medicamento foi incorporado em abril de 2019 ao SUS. Os medicamentos são comprados pelo Ministério da Saúde, que encaminha para os estados”, explicou.
Discussão – Presidente da Associação Brasileira De Atrofia Muscular Espinhal No Sul (Abrame Sul), Adriana Loper explanou sobre pontos centrais da doença e falou do trabalho do órgão em busca de tratamento justo para a doença. “Temos de conquistar muito. Temos uma frustação muito grande com uma portaria que institui um projeto piloto para custeamento de medicamentos. Foi colocado no papel, mas não tivemos mais nada. Esperamos o apoio desta Casa de Leis para buscar o avanço destas pautas no Executivo. Precisamos do apoio de todos para construir algo. Ninguém precisa sentir a dor de ver o filho morrendo. Estamos aqui para evitar isso. Hoje, não temos uma legislação voltada para as famílias com casos de AME”, afirmou.
Já Mouseline Torquato Domingos, representante da Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (FEPE), falou, entre outros temas, sobre o valor dos testes para diagnóstico da doença. O médico geneticista do Centro de Aconselhamento Genetika, Salmo Raskin, que trabalha com doenças raras há 30 anos, disse que enxerga com ótimos olhos os avanços dos últimos anos. “Pessoas com doenças raras deixaram de ser invisíveis e passaram a ser respeitadas pelo setor público. Ninguém escolhe ter uma doença em que o diagnóstico e o tratamento são caros. Que culpa tem o paciente e a família que o tratamento seja inacessível para o seu bolso? Conheço as dificuldades que temos no País, mas quem tem uma doença rara não tem tempo. Com discussões como esta, vamos fazer um Paraná melhor e mais justo”, avaliou.
A médica neuropediatra Adriana Banzatto abordou como tema de sua participação os efeitos dos medicamentos no tratamento da doença. Ela destacou a importância do diagnóstico e tratamento precoces. Também mostrou a evolução de pacientes que utilizam as medicações aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A especialista falou ainda sobre a terapia gênica, que introduz uma técnica que devolve ao organismo o gene faltante, utilizando-se de um vírus não patogênico. “Todos estes medicamentos e tratamentos têm benefícios. Essas crianças podem se tornar adultos produtivos laboralmente”.
A psicóloga Aline Juliana Loper reforçou a necessidade de acompanhamento psicológico para as pessoas e famílias com casos de AME. “O diagnóstico dessa doença é uma ruptura muito grande. Começa de forma dolorosa, pois muitas vezes o diagnóstico é demorado. Depois há sentimentos de negação, de tristeza, de mudança de rotina, de revolta. Muitos pais se culpam, pois é uma doença genética. O caminho para entender o que está se passando é muito sofrido. Precisamos de políticas públicas envolvendo todos os membros da família, com programas que envolvam todo o núcleo familiar. Um caso de AME impacta direta e indiretamente em dezenas de pessoas”, lembrou.
Já Patrícia Branco, fisioterapeuta e presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito), reforçou a necessidade de um fisioterapeuta no tratamento integrado da doença. O objetivo é a ampliação da expectativa de vida. Segundo ela, há um aprimoramento das técnicas de fisioterapia para auxiliar os pacientes. “Aliadas aos medicamentos, estas técnicas podem trazer bons resultados”, afirmou. Já Marco Antônio Teixeira, procurador de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR) e coordenador do CAOP Saúde, destacou a necessidade de preços justos para as medicações utilizadas no tratamento.
Medicação – Em 2020, o presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, deputado Ademar Traiano (PSDB), promulgou a isenção de ICMS para o Zolgensma, medicamento importado que trata a AME. A medida foi proposta pelo Governo do Estado e aprovada pelos deputados. O projeto de decreto legislativo 27/2020, assinado pela Comissão Executiva da Casa, homologou o Decreto nº 6155/2020, do Poder Executivo, que isenta do imposto todas as operações com a medicação. O custo do medicamento é elevado pois apenas um laboratório no mundo produz o remédio. O medicamento tem custo de cerca de R$ 12 milhões. Considerando-se o ICMS de 17%, com a isenção, o custo do medicamento pode ser reduzido em aproximadamente R$ 2 milhões.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) registrou um novo medicamento para o tratamento da AME, o EVRYSDI (risdiplam).
Existem cinco tipos de AME, variando do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), dependendo do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas. O tipo 1 é o mais grave e frequente. O SUS oferta medicação para pacientes com o tipo 1, porém os pacientes com tipo 2, 3 e 4 não têm acesso ao medicamento, já que o Sistema não disponibiliza para estes grupos devido ao altíssimo custo do insumo. Nestes casos, é necessária a judicialização do pedido médico.
Legislação – Até o mês de maio deste ano, o SUS realizava o teste que detectava seis doenças. A partir de então, foi sancionada a Lei federal nº 14.154/2021 que amplia o exame para 14 grupos de doenças e que poderá identificar até 53 tipos diferentes de enfermidades e condições especiais de saúde. A AME foi contemplada na fase 5 de ampliação do teste.