Reconstruir o Mercosul deve ser um dos principais objetivos do presidente Michel Temer na área diplomática – e para isso, tudo indica, ele poderá contar com a parceria do colega argentino Mauricio Macri. O trabalho envolverá a remoção do entulho petista e bolivariano acumulado em 13 anos. Um bom passo inicial é esclarecer com rapidez a posição da Venezuela: ou o país se enquadra nas condições do bloco ou simplesmente deixa de integrá-lo, como lembrou em Tóquio, numa entrevista, o presidente brasileiro. Não se tratará de expulsão, acrescentou, mas do mero reconhecimento de um fato. O governo venezuelano tem prazo até dezembro, poderia ter acrescentado, para completar o enquadramento. Isso dificilmente ocorrerá. Se essa expectativa se confirmar, o Mercosul será de novo formado – oficialmente e sem contestação – apenas pelos quatro sócios originais. Será uma grande oportunidade para um recomeço, isto é, para o reencontro dos objetivos iniciais, perdidos principalmente por causa da desastrosa aliança entre o petismo e o kirchnerismo, com a adição, depois, do trambolho bolivariano.
A meta mais ambiciosa do bloco, a inserção competitiva no mercado global, foi simplesmente substituída, a partir de 2003, por um grotesco projeto de tintura terceiro-mundista. Os governos dos dois maiores sócios decidiram valorizar o protecionismo e dar prioridade à integração comercial com países classificados como “do Sul”. Os poucos acordos celebrados envolveram quase sempre mercados pouco importantes, muito pequenos, em alguns casos. O comércio com os emergentes maiores e mais importantes, como a China, acabaram virando relações semicoloniais, com exportações quase só de matérias-primas e importações de produtos manufaturados.
Além disso, o próprio Mercosul emperrou como projeto de integração regional. A ideia de cadeias produtivas dinâmicas, montadas de acordo com objetivos de redução de custos e de produtividade, nunca se materializou. O maior acordo setorial, o automotivo, acabou reduzido a um pacto de mediocridade. Serviu para a acomodação de montadoras pouco empenhadas em modernização e inovação e de fabricantes de componentes sem grandes metas de competitividade.
Ao mesmo tempo, foram mantidas barreiras comerciais intrabloco e uma enorme coleção de furos na tabela das tarifas externas comuns. Sem nunca ter sido de fato uma área de livre-comércio, o Mercosul assumiu em pouco tempo o status oficial, muito mais ambicioso, de união aduaneira. Com isso, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai renunciaram ao direito de negociar separadamente acordos de livre-comércio com parceiros externos ao bloco. Os governos brasileiro e argentino nem chegaram a planejar algo desse tipo, pelo menos de forma ostensiva, mas autoridades paraguaias e uruguaias mais de uma vez manifestaram descontentamento com essa limitação.
Como união aduaneira, o Mercosul foi incapaz, até agora, de concluir a única negociação ambiciosa mantida no período petista-kirchnerista. As discussões com a União Europeia, iniciadas nos anos 90, talvez sejam concluídas, se tudo andar bem, no próximo ano.
Mas pode-se começar mais prontamente, a partir das condições internas de funcionamento, a reconstrução do bloco. Apesar dos objetivos de mudança indicados pelo governo do presidente Mauricio Macri, a Argentina permanece presa a vícios desenvolvidos no período kirchnerista. As barreiras a produtos brasileiros continuam travando o comércio, apesar da alteração do sistema de licenças de importação.
De lado a lado é urgente dar um sentido prático aos velhos compromissos de abertura e de integração dos mercados. Para isso os governos deverão empenhar-se, em articulação com os setores produtivos de cada país, em virar de uma vez a chave da política, passando do modo acomodação e proteção para o modo eficiência e competitividade. Se os governos forem capazes de conduzir essa mudança, o Mercosul entrará enfim no século 21.
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