Fazer com que pessoas em trânsito por Curitiba não fiquem desabrigadas e consigam voltar para as cidades de origem é o objetivo da Casa da Acolhida e do Regresso (CAR), unidade da Fundação de Ação Social (FAS) que funciona na Rodoferroviária. Inaugurado há 25 anos pela primeira-dama e então presidente do órgão, Margarita Sansone, o serviço banca a passagem rodoviária de quem comprovadamente não pode pagar por ela, seguindo critérios técnicos da FAS.
Nos últimos dois anos a procura pelo serviço cresceu e foi atendida. Enquanto em 2017 foram concedidas cerca de 200 passagens por mês (2.402 bilhetes por ano) a um custo de R$ 275 mil, em 2018 foram 269 por mês (3.464 passagens no ano), uma despesa de R$ 402 mil.
De 1 a 29 de janeiro deste ano, a CAR ajudou 379 pessoas a voltar para casa. O valor gasto com as passagens no período foi de R$ 45 mil.
Célia Neves de Medina, brasileira residente na Argentina, está entre as pessoas que conseguiram retornar para casa neste ano com a ajuda do serviço. Com 60 anos de idade, bagagens pesadas e a expectativa frustrada de conseguir trabalho estável no interior paulista, Célia chegou a Curitiba na última quinta-feira (31/1). Saiu de São Paulo a pé e depois pegou carona com um caminhoneiro.
O destino da longa caminhada era Buenos Aires, capital argentina, onde Célia mora com o marido, mas de onde saiu por causa da crise econômica. O caminhoneiro a deixou na BR-116 (Linha Verde), próximo ao posto da Polícia Rodoviária Federal.
“Não tinha o que fazer e, sem dinheiro, comecei o trajeto a pé. Dei sorte com a carona e, aqui, não esperava ter a mesma sorte. Foi quando apareceu na minha frente esse anjo, que me trouxe até esse lugar que eu não sabia que existia”, contou. Célia se referia ao segurança desempregado Pedro de Souza e à CAR.
Pedro é um nome fictício, para preservar a identidade e segurança do homem que vinha a pé de Santa Catarina e seguia em sentido oposto ao de Célia, rumo ao interior de São Paulo. “Ela estava sentada perto da estrada, chorando feito criança”, contou ele, que por coincidência buscava serviço social da FAS para chegar ao seu destino.
Resposta rápida
Quando a CAR abriu as portas na sexta-feira (1/2), os novos amigos já estavam no local. “Chegamos a pé, no começo da noite de quinta e dormimos nos bancos”, disse Célia, que contou com Pedro para dividir o peso da bagagem durante o trajeto.
A CAR, então, fez contato com o Consulado da Argentina. "Confirmamos o endereço e a localização dos parentes dela em Buenos Aires e logo começamos a providenciar a passagem para Foz do Iguaçu", disse a coordenadora da CAR, Débora Carvalho. Apenas os trechos dentro do Brasil são cobertos pelo serviço.
O mesmo cuidado foi observado com relação à situação de Pedro, que seguiu para o interior de São Paulo.
Os amigos se despediram pouco mais de 24 horas depois de se conhecerem. Célia embarcou às 18h de sexta-feira (1/2). De Foz, seguiria para Porto Iguaçu, na fronteira do Brasil com a Argentina. No país vizinho, buscaria ajuda para chegar a Buenos Aires. “Ainda não acredito que consegui toda essa ajuda assim, tão rápido”, comentou.
Pedro tomou seu ônibus duas horas depois. “Quero reconstruir minha vida no lugar para onde estou indo e levar os filhos pra morar comigo”, revelou. “Também quero voltar aqui com calma, um dia, pra conhecer a cidade que está me ajudando tanto, que está sendo fundamental pra mim nessa fase difícil”, completou.
Protocolo
Checar se a pessoa tem mesmo onde ficar ou quem possa apoiá-la na cidade para onde pede passagem faz parte do protocolo de atendimento do serviço.
Sem dinheiro e com esperança de voltar para casa, mais de 800 pessoas por mês circulam pelo local. A CAR destina passagens somente para pessoas ou famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, depois de passarem por uma entrevista socioassistencial.
“O trabalho da CAR acelera o processo das pessoas a acessar serviços, como de busca de emprego e tratamento médico, além de permitir a chegada a seus destinos e o retorno familiar. Sem isso, elas poderiam ficar desassistidas, se instalar nas ruas, gerando um problema social”, argumenta a presidente da FAS, Elenice Malzoni.
Do total de atendidos pelo serviço de triagem no ano passado, 67% vieram por procura espontânea e 52% eram de fora do Paraná. Santa Catarina e São Paulo foram os principais estados de origem. Os homens foram maioria (85%) e faixa etária predominante (89%) foi dos 18 a 59 anos.