Uma tragédia pré-anunciada
As imagens do acidente ocorrido na noite de domingo (03), na BR-277, em Morretes, no litoral do Paraná, quando o motorista de um caminhão-tanque carregado com 44 mil litros de álcool perdeu o controle do veículo, que pegou fogo depois de bater contra uma mureta de proteção, causando a morte de 5 pessoas, continuam a repercutir e a causar a indignação do público com a tragédia.
Em seu depoimento à Polícia Civil, o caminhoneiro confessou que o painel do veículo acusou a existência de falha nos freios, mas mesmo assim decidiu continuar a viagem de descida da Serra, colocando em risco sua vida e das pessoas que circulam pelo local – motoristas, passageiros, ciclistas e pedestres. Está preso por homicídio doloso, com dolo eventual, ou seja, quando o autor assume o risco de matar.
O que nos deixa chocado é que o motorista do caminhão-tanque não é o único que decide seguir viagem mesmo sabendo das péssimas condições de conservação de seu veículo. Recentes pesquisas revelam que mais de 255 mil caminhões que transitam pelas rodovias brasileiras tem mais de 30 anos de fabricação e a maioria encontra-se em péssima condições de conservação.
Uma operação policial realizada em maio deste ano em Mafra/SC, foram abordados e vistoriados por policiais e mecânicos da concessionária cerca de 100 caminhões, que levaram em conta principalmente as condições de freios, pneus, sistema de direção e de suspensão, equipamentos obrigatórios, limite de peso além da rotineira fiscalização de documentação e do tempo que cada condutor estava dirigindo. Outra preocupação dos ficais foi a possível influência do álcool ou outras substâncias, uma das principais causas dos acidentes cujos custos são estimados em R$ 60 bilhões por ano.
Uma preocupação pertinente já que um em cada três caminhoneiros usa algum tipo de droga, o que levou o Ministério do Trabalho a tornar obrigatório, na contratação de motoristas de ônibus e caminhão, a realização de exame toxicológico. Um teste aplicado pela primeira vez no Brasil revelou que 34% dos caminhoneiros brasileiros se drogam. E o mais assustador é que, entre as drogas usadas, a cocaína é a mais comum, aparecendo em 73% dos testes que deram positivo. A anfetamina – o popular rebite – aparece em apenas 18% desses casos.
Não faz muito tempo e o programa Fantástico, da Globo, ouviu caminhoneiros que confessaram o uso, encontrou traficantes de beira de estrada e ouviu de especialistas que a infestação de pó nas rodovias é resultado principalmente dos prazos mínimos que o motorista tem para entregar a carga. Esses dados estarrecedores nos levam a crer que tragédias, nem sempre com a mesma visibilidade da ocorrida em Morretes, ocorrem a todo instantes nos 1.751.868 quilômetros de estradas e rodovias nacionais (a quarta maior malha rodoviária do mundo), por onde passam mais de 60% de todas as cargas movimentadas no território brasileiro.
A falta de fiscalização deixa este ambiente ainda mais perigoso. Um caminhão pode andar uma distância equivalente à de Brasília até Belo Horizonte, ou à de São Luís a Belém, sem passar por nenhum posto que pese sua carga. A falta de controle ajuda a agravar a calamidade nas estradas, especialmente nos feridos prolongados. Em 2015, entre o feriado de Natal e Final do Ano, 127 pessoas morreram e 1.592 ficaram feridas em 2.135 acidentes nas rodovias federais.
Sem fiscalização adequada e corriqueira, os motoristas ficam à mercê do descaso e viram alvo de motoristas irresponsáveis, inconsequentes, com seus veículos sem o mínimo de conservação, com sobrepeso de carga, num ambiente formado por rodovias mal conservadas e sinalizadas. Uma tragédia pré anunciada, como a ocorrida em no litoral do Paraná.