A racionalidade deixou de fazer parte do debate político, que, cada vez mais, é uma experiência sensorial. A política virou gatilho, e a reação, vício. Não é sobre convencer com argumentos, mas sim de provocar respostas químicas. Cada postagem polêmica, cada comentário indignado, cada ataque, tudo é uma conversa embolhada nas bolhas nas plataformas de mídias sociais, que, ao fim, é um shot de dopamina.
A lógica das redes venceu a razão: a política está algoritimizada. E o algoritmo aprendeu que a raiva engaja. Odiar mobiliza. Estudos mostram que as redes sociais foram desenhadas para gerar dependência emocional, e a política, tragicamente, caiu nessa armadilha.
A extrema-direita entendeu rápido a lógica da dopamina. E a instrumentalizou com precisão. No Brasil, Bolsonaro teve a perspicácia, ou simplesmente exacerbou o próprio DNA autoritário, de provocar, testar e incendiar as redes. Assim, fidelizou uma base viciada em confronto.
Mas isso não é um caso isolado: Trump nos Estados Unidos, o Sanseito no Japão, Orbán na Hungria e o PiS na Polônia operam com a mesma fórmula. Eles não constroem consensos, constroem antagonismos. Sabem que, em tempos de hiperconectividade, a atenção vale mais do que a verdade, e o inimigo imaginário, mais do que qualquer proposta de país.
Esse atraso de visão tira o foco de debates verdadeiramente urgentes e importantes: centenas de milhares morrem nas guerras em curso, a inflação global empobrece no atacado e novas cadeias produtivas, a inteligência artificial e a transição energética são temas não de um futuro distópico, mas do cotidiano.
Enquanto isso, no Brasil, a direita performa para o algoritmo e a esquerda recita slogans que não fazem sentido fora de seus próprios nichos e exacerbam ainda mais uma polarização afetiva, viciada em dopamina.
Grande parte da esquerda brasileira continua lutando as guerras erradas, nos palcos errados, com as armas erradas. Fala com vocabulário de 1964, age como se estivesse em 2002 e só ganha tração (dopaminada) nas redes ao reforçar o polarizador “nós x eles”.
A mistura de política com dopamina é explosiva porque retira qualquer possibilidade de mediação. Quando o prazer está no confronto, e não na construção, o debate público dá lugar à gritaria. A negação à política é a negação ao diálogo, é o império do conflito. Enquanto isso, o povo, bestializado, vira uma horda de seguidores; os cidadãos, uma plateia: viciada, reativa e exausta.
Como entender esta “economia da atenção”? Como fazer política que fale ao coração, sem alienar o povo? Como formar, educar e mobilizar sem se render ao espetáculo?
O mundo hoje é prisioneiro da lógica algorítmica e descamba para um lugar perigoso: um futuro em que não há mais planejamento e ação, apenas react.
Parece que pensar virou resistência silenciosa. Pode parecer pouco, mas, em tempos de culto à ignorância anabolizada de dopamina, é quase um ato subversivo.




