Duas iniciativas aprovadas pela Comissão de Urbanismo, Obras Públicas e Tecnologias da Informação estão prontas para votação em plenário. É o caso da matéria que pretende proibir, em Curitiba, o uso de símbolos cristãos em manifestações públicas e eventos se a intenção for para satirizar ou ridicularizar o cristianismo. A reunião extraordinária do colegiado da Câmara Municipal aconteceu nesta sexta-feira (14).
O intuito da proposta de lei é inibir a utilização da simbologia cristã de forma desrespeitosa e promover a tolerância religiosa, além do respeito mútuo e da coexistência pacífica em uma sociedade diversificada. Conforme a matéria, ficaria proibido o emprego de qualquer objeto vinculado às religiões ou crenças cristãs de forma desrespeitosa ou que incite ódio ao cristianismo ou aos cristãos, em eventos e manifestações públicas realizadas em Curitiba.
A iniciativa também pretende vedar a concessão de verbas públicas – ou seja, proibir o repasse de recursos – para a realização de “desfiles carnavalescos, espetáculos, passeatas e marchas de ONGs, associações, agremiações, partidos e fundações” que praticarem atos de ridicularização da fé cristã. Se a lei for aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito, o descumprimento dela vai implicar em multa que poderá variar de R$ 5 mil a R$ 500 mil.
A autora da matéria (005.00195.2023) é a vereadora Noemia Rocha (MDB). Na Comissão de Urbanismo, dois votos distintos foram colocados para votação: um contrário, de Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) e um favorável pela tramitação, de Herivelto Oliveira (Cidadania). O relator obteve o apoio da maioria do colegiado e, por isto, a matéria foi acatada e segue seu trâmite, estando pronta agora para apreciação do plenário do Legislativo de Curitiba.
“Os espaços públicos e privados foram utilizados desde sempre à realização de atos cívicos, religiosos, políticos entre outros. Com raras exceções viu-se o vilipêndio desses atos em sinal de respeito a crença ou a ideologia do outro. No entanto, nesses últimos tempos, não é o que temos presenciado no mundo. Em nome da ‘verdade’, dos pensamentos, ou ainda daquilo que hoje se acredita ou se pensa acreditar, a violência entre grupos está cada vez mais acirrada e descontrolada e, nesse caminho tortuoso, mas não menos válido, faz-se necessária uma lei para proibir a satirização ou o escárnio de símbolos ou crenças religiosas”, analisa o vereador.
“Coibir esse comportamento através de lei é o que se tem de legitimidade, no entanto é possível que não se alcance o desejado, porque o comportamento se muda pelo hábito, pelo respeito, pela empatia e não se alcançam esses sentimentos pelos dispositivos, mas é válida a tentativa, pois os sentimentos de um povo ou de grupos que vivem valores, precisam ser respeitados. […] Vivemos em uma sociedade pluralista, com crenças diferentes. No entanto, devemos, como exigência ética, humana até, respeitar todas as pessoas. Nada permite a quem quer que seja o direito de vilipendiar crenças, atingindo vidas. O direito à liberdade de expressão não anula o respeito às pessoas e aos seus valores”, completou Oliveira.
No voto contrário, apresentado após Giorgia Prates solicitar vista ao texto, a vereadora analisou que os símbolos ditos cristão podem ser, por exemplo, utilizados por religiões de matrizes africanas, como é o caso do uso de imagens de santos. “Inclusive, podemos entender que o sincretismo religioso, em termos de Brasil, serve não apenas como fator de construção da identidade nacional, mas também como vetor de resistência cultural em contextos de opressão. De toda forma, o fato da proposição tratar apenas de símbolos, liturgias e dogmas classificados como cristãos, poderia levar a interpretação equivocada de que, quando esses símbolos seriam utilizados por outras religiões, seria também uma forma de desrespeito aos cristãos e cristianismo. O que levaria a condutas de intolerância e perseguição religiosa”, afirmou.
Ainda segundo a vereadora, não se trata de permitir o desrespeito a símbolos, liturgias e dogmas cristãos, o presente projeto de lei não é a forma adequada para essa proteção. “Ao defender uma religião específica, não podemos indiscricionariamente limitar a liberdade de expressão, ou ainda privilegiar uma religião em detrimento a outra. A via do judiciário parece ser a mais capacitada para analisar casos de desrespeito religioso, uma vez que é visto o contexto e sobrepesado os princípios constitucionais envolvidos”, completa o voto, derrubado pela maioria do colegiado.
Com o parecer favorável do grupo, a iniciativa já pode ser votada pelo plenário da Câmara Municipal. Além da Comissão de Urbanismo, o projeto de Noemia Rocha também passou pelos colegiados de Constituição e Justiça (onde não se formou maioria de votos para sua aprovação, ou não); de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias (parecer contrário, apenas orientativo ao plenário); e de Serviço Público (parecer favorável).